A manhã apenas despertara e o homem se levantou.
Na tristeza com que se sentia envolvido, olhou para a filha doente, que gemia no leito pobre. A esposa dormia e ele se preparou para sair antes que ela despertasse.
Seu rumo era o mercado, onde ele recolhia os frutos desprezados por aqueles que têm em demasia e desconhecem a dor do estômago vazio.
Um movimento inesperado, no entanto, lhe chamou a atenção. Eram gritos, correria.
O povo se acotovelava formando um cortejo barulhento. Soldados da Roma dominadora e audaciosa conduziam um condenado à morte.
O homem parou a observar aquela cena e pensou que aquele prisioneiro era mais infeliz do que ele próprio.
Suas dores eram morais: doíam por dentro. Mas aquela criatura se apresentava machucada, sem forças, a carregar sobre os ombros um madeiro bruto e pesado.
Seus passos eram vagarosos, como num compasso de sinfonia fúnebre.
Arcado, a túnica que vestia se arrastava pelo chão, embaraçando-lhe os pés, dificultando-lhe, ainda mais, o caminhar.
O cireneu estava extático.
O homem estava sendo conduzido para o terrível suplício da cruz.
Era, sim, muito mais infeliz que ele próprio.
Nisto, a voz áspera de um dos soldados lhe ordenou auxiliar o condenado que caíra.
Não que o soldado se condoesse da sua dificuldade.É que tinha pressa de se desvencilhar daquela tarefa.
O homem foi praticamente jogado para debaixo daquela madeira bruta, cheia de farpas.
Colocou o ombro ao lado do condenado e suspendeu o peso. Sentiu uma dor profunda nos ombros e o olhar do auxiliado o penetrou.
Eram dois olhos de luz estampados numa face de sofrimento. Jamais o cireneu haveria de esquecer aquele olhar. A dor do ombro aumentava.
Logo adiante, o prisioneiro voltou a tropeçar e cair e as chicotadas da brutalidade o fizeram levantar-se.
Um pouco mais de tempo e o cireneu livrou-se do peso.
Agora o madeiro se transformara na cruz erguida para crucificar o condenado.
Aquele homem de Cirene, conhecido como cireneu, aguardou que a morte do crucificado se consumasse. Algo nele o atraía, magnetizava-o.
Quando tudo terminou foi para casa e, porque chegou de mãos vazias, a esposa o repreendeu. Ele não revidou.
Uma paz diferente tomava conta dele.
A filha veio correndo e o abraçou:
-Estou boa, papai!
O homem recordou aqueles dois olhos azuis que agradeceram seu auxílio, sem nada dizer. Um perfume sem igual penetrou o lar pobre. A mulher se enterneceu.
Uma delicada e sutil presença podia ser sentida pelos três.
A vida do cireneu se transformou. Apesar das lutas e dissabores, nunca mais o fantasma do desespero fez morada em sua casa.
Curioso, no dia seguinte, foi perguntar a respeito da identidade do condenado. Descobriu que ele se chamava: JESUS DE NAZARÉ.